Havia uma mulher entre os 28 Pioneiros?


Por Edgar Schulze,

Mestre em Administração e

Especialista em Cooperativismo (PG).

Lembro que desde meus primeiros estudos sobre cooperativismo – nos anos 1960, ainda pré-adolescente – os instrutores dos cursos frequentados e os textos lidos destacavam, sempre com muita ênfase, que “a primeira cooperativa do mundo, constituída na cidade de Rochdale, no interior da Inglaterra, foi fundada em 1844 por 28 tecelões, sendo vinte e sete homens e uma mulher”. A presença dessa mulher entre aqueles operários da indústria de tecelagem continua a ser referida em textos recentes, como poderá ser comprovado numa pesquisa na internet, investigando em livros, monografias e, inclusive, em textos oferecidos em cursos de especialização promovidos por instituições de ensino superior.

Que a cooperativa dos Pioneiros de Rochdale não foi a primeira cooperativa do mundo, todos já sabem. Que é uma das mais importantes experiências cooperativas do mundo moderno e que, por ter dado certo, passou a balizar doutrinariamente o cooperativismo em âmbito planetário, via Aliança Cooperativa Internacional – ACI, é acatado por todos.

Mas… e a presença da mulher entre os 27 homens? Muito citada, são poucas as fontes que lhe dão nome: Ann Tweedale!

Fato ou lenda urbana?

Interessa-nos, aqui, examinar as razões para o destaque da participação de uma mulher nessa história. Apenas para relembrar as aulas de História, destaquemos que, em 1844, a Inglaterra estava em plena revolução industrial, vivendo um processo de urbanização em bases miseráveis (algo como nossas favelas mas em país de inverno rigoroso!) e em um momento de agravamento das relações sociais, com conflitos entre operários (mal pagos, vivendo mal, etc.) e as classes dominantes (nobreza, clero, burgueses, comerciantes e industriais). Nesta época, mulheres não detinham propriedades e, mesmo assalariadas, seu dinheiro pertencia ao marido, se casadas, ou ao pai, se solteiras.

Neste cenário, a cooperativa de Rochdale é constituída por operários bastante esclarecidos para a época. Muitos deles já haviam participado de iniciativas de caráter cooperativo ou “redentor das classes operárias”, sem que nelas tivessem encontrado a solução para seu principal mal, ou seja, a dificuldade de suprir suas famílias com bens de consumo de qualidade, a preço justo, de uma forma durável. Entre as muitas situações vivenciadas anteriormente pelos Pioneiros, confirmada nos primeiros tempos de funcionamento de seu armazém, estava a convicção de que o homem (o macho da espécie homo sapiens), mesmo em sua condição – social e legalmente afirmada – de chefe da família e seu provedor, não era um “cliente” confiável… Logo, os negócios passaram a ser feitos preferencialmente com as esposas dos sócios e, também, foi aplaudida e estimulada a associação de mulheres. Mas não há, na literatura pesquisada, informação de que alguma delas tenha sido eleita ou indicada para cargos de gestão do negócio ao longo de seus anos iniciais…

Esta relação simpática dos Pioneiros para com as mulheres, absolutamente incompreensível no contexto social da época (de machismo fundamentalista), é destacada por George Jacob Holoyake, jornalista, contemporâneo dos Pioneiros e seu principal historiador, em seu livro Os 28 Tecelões de Rochdale[2].

Por ocasião do relançamento deste livro, pela Unimed Federação/RS, no ano de 2000, foi confirmado que, nele, Holyoake identificava apenas 26 dos 28 Pioneiros (vide pg. 62 do livro). E entre os nomes citados, nenhuma mulher! Na esperança de que um dos dois nomes faltantes fosse o da ansiosamente buscada mulher, foi promovida uma pesquisa, aceitando-se como confiável, por ser patrocinada pela Co-operative Union Ltd [3], uma lista datada de 1994 que, traduzida, foi anexada já na primeira edição do livro[4]. Nela, 28 homens; nenhuma mulher!

Mas há divergências. Outros historiadores apresentam listas com algumas diferenças frente a esta. Na maioria dos casos pesquisados, a diferença está justamente nos dois nomes que Holoyake desconhecia. É alternando com eles que Ann Tweedale aparece em algumas listagens.

Mas é Holyoake, que, ainda em 1893[5], havia apresentado uma lista completa dos 28 nomes. Nela, estão todos os nomes que ele referira no livro Os 28 e estão acrescidos os de um dos homens da lista complementar e – ahá! – Ann Tweedale! Poucas páginas antes, ele a identifica como a female co-operator que, durante os preparativos à constituição, assegurara o acesso dos Pioneiros a uma sala de reuniões em estabelecimento de propriedade de um Mr. Tweedale. Também diz que ela, mais tarde, uma vez casada, fez com que seu marido se associasse à cooperativa.

Mas Holyoake, no dizer de Gillian Lonergan[6], “era antes jornalista que historiador” e sua “história”, mesmo que infinitamente repetida, nem sempre era precisa. Segundo ela, é sabido que Ann Tweedale esteve envolvida de algum modo, mas não há prova de que tenha sido sócia. Segundo ela, a primeira mulher a se associar foi Eliza Brierley, em 1846.

Assim, tudo está a indicar que não havia uma mulher entre os 28 tecelões por ocasião da inauguração de seu armazém. Mas a História reconhece terem sido, as mulheres, fundamentais para o sucesso do empreendimento! E isto desde o seu início!


[1] Texto reescrito a partir da versão publicada na “revista pensar”, publicação do Instituto Unimed/RS, ano II, nº 4. Porto Alegre, agosto de 2012, pg. 46.

[2] HOLYOAKE, George Jacob; Os 28 Tecelões de Rochdale; Série Saber/Fazer, Unimed/RS; 2000; WS Editor; Porto Alegre; veja pg 29 e 30; 53 e 54; e 60.

[3] Instituição cujas raízes remontam à cooperativa dos Pioneiros.

[4] Em anexo no livro citado, nas pg.92 e 93.

[5] HOLYOAKE, George Jacob; The History of the Rochdale Pioneers; 10ª ed. 1893; Swan Sonnenschein & Co; Londres; veja pg. 86 e 81; o livro original, conhecida a sua 3ª Edição (de 1858[?], Holyoake & Cº , Londres), ainda não trazia a relação nominal dos Pioneiros.

[6] Arquivista do Museu de Rochdale, em correspondência transcrita em SEIBEL, Ivan (organizador); Formação Cooperativista; I – História, estrutura e educação cooperativista no Complexo Unimed; Série Saber/Fazer, Unimed/RS; 2003; WS Editor; Porto Alegre; veja pg 23.

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